quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A carta

Amo-te. E dói dize-lo. Amo-te absoluta, impossível e fatalmente. Ouço uma música nossa, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor, é musica. Música da alma que quer ser devorada.

Esta é uma carta de amor, e como todas as cartas de amor, ridícula.
Esta carta de amor é um excesso, como todas as cartas de amor. Não amo a ideia de te amar, mas a ideia de me perder no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo, até que fica insuportavelmente nítida.

A minha dor é que eu comecei a amar-te sem o saber. Eu não sabia, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa. Cada vez que me apareces, com a promessa reconfortante de te ver e falar, é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso.

Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso. Como um horizonte sem nome, que constantemente se desenha na minha imaginação.

Esta carta é uma acto de puro egoísmo, que eu talvez não tivesse o direito de escrever. É-te incómoda, e isso bastaria para que eu me abstivesse de ta enviar, dentro de um envelope colorido como os teus modelitos. E as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: linda.

Esta carta de amor, como acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. No entanto preciso de enviá-la, para que seja uma carta de amor. E para que possas conservá-la como carta de amor, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo, até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim