segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Não sei se consigo fazer isto

Nuno - anda ver os meus desenhos! Olha o meu carro novo que me deu o pai natal! Hoje vamos ver o homem-aranha! Ajudas-me a pintar? Anda! Anda!
Quase sem tempo para respirar, o pequeno Nuno arrasta-me pelo braço até à mesa onde depois de acalmar um pouco me atinge em cheio com uma pergunta que me abala profundamente - Não vieste na semana passada nem na outra. Porquê é que não vens mais vezes?



A agitação é constante. Gritos, correrias, picanços. Lá conseguimos acalmar os ânimos e o filme do homem-aranha é projectado na pequena televisão. A acalmia é curta. Nem o super heroi consegue acalmar a excitação constante destas crianças. A monitora desiste de pedir silêncio. Os ânimos acerram-se entre os que querem ver e os que não querem deixar ver. Miguel à socapa mexe num botão e perde-se a imagem. A confusão instala-se na pequena sala. O monitor como castigo desliga a TV e saca o DVD - portam-se mal, não há mais filmes! Nuno levanta-se num movimento brusco que faz cair a cadeira e sai porta fora. Outros miudos seguem-lhe o gesto. Poucos minutos passaram para que se ouvissem gritos e insultos. Nuno e Miguel estão engalfinhados a agredirem-se mutuamente. Eu e um dos monitores separamos os dois com dificuldade. Seguro o Nuno que se debate com uma violência e agressividade que me assustam para uma criança de 8/9 anos. Tem sangue no nariz. Miguel que agredira Nuno, ao ver o outro com sangue diz que este o insultou, acusando-se a si próprio. Tenho dificuldade em segurar Nuno. Debate-se com uma raiva e um ódio maior do que ele. Finalmente chega a psicóloga, que o tenta acalmar. Faz-lhe festas no rosto e tenta acalma-lo. Em vão. Nuno não fala. Guincha e esperneia com uma raiva impressionante. A dra agarra-o contra ele e abraça-o com força. Finalmente, Nuno ao sentir o calor do abraço e o carinho que raramente teve na sua curta existencia, para de lutar, abraça a dra e cede ás lágrimas. Chora convulsivamente. E lembro-me da sua pequena pergunta - porquê é quê não vens mais vezes?



Um dia normal na associação de crianças em risco, Uma Porta Amiga.


11 comentários:

Abssinto disse...

Bem, este texto foi um murro em cheio no meu plexus solar...

L'etranger disse...

e não há defesa possivel contra um murro destes...

perdida em Faro disse...

Bem...este texto lembra-me que o ano começou e quero ver se é este ano que volto a fazer voluntariado com crianças...dói e cresce-se, aprende-se com estes murros, mas não se aprende a esquivar deles, aprende-se sim a dar os abraços na altura certa!
Obrigada

Jo disse...

eu há muito que sou defensora e praticante da "pedagogia do abraço".

E resulta.

Obrigada por partilhares.

Beijo especial*

R. disse...

sou uma sortuda em ter tido a infância que tive!! haveria de existir uma lei,onde obrigasse as crianças a serem felizes...

Um beijo

L'etranger disse...

tânia
Tal e qual, e no fim fico com a sensação de que estas cianças ajudam-me mais a mim do que eu a elas....


mariazinha
sem dúvida a melhor de todas.
e eu agradeço as palavras.



e há, mas desde quando é que o homem cumpre as leis...

Anônimo disse...

Estar, abraçar, ouvir, brincar... podem ser tão mais feliz com tão pouco!!!

[...e como se não bastasse, é no mínimo triste saber que há muitos meninos a quem não lhes faltam papás e mamãs a encherem-nos de brinquedos, telemóveis, e que tais, mas a faltarem com esse 'pouco' essencial! :( ]

Anônimo disse...

Se todos fizessem a sua parte...eu gostava de fazer mais.
Como já alguém dizia: "Pensar é fácil. Agir é dificil. Mas o mais dificil de tudo é agir de acordo com o pensamento".

poca disse...

ou um dia normal numa qualquer sala de aula.. só com um professor.. e sem Dras por perto..

reconheço essa raiva "maior do que ele"

e sim.. resolve-se sempre por tentar descer ao nível dele e desculpá-lo com porquês que nos transcendem.. e reconfortá-lo com um abraço que se calhar na altura não mereçe..

é não desistir.. é de ir..

Ás de Copas disse...

A ti o meu sorriso GRANDEEEE!!!!!

C. Moniz disse...

concordo plenamente com: "(...) e no fim fico com a sensação de que estas cianças ajudam-me mais a mim do que eu a elas...."

Grande verdade... Há dias que sao lotados de stress, mas quando chego ao lar,ou melhor, quando vou para junto da escola para os ir buscar... sei lá... correr com eles, rir, brincar, ajudar... tanta coisa que parece pequena mais que, sim... de facto às vezes parece mais que são eles que nos ajudam o que nós a eles.

Fazem-nos sentir vivos... fazem-nos sentir esperança de que as coisas podem melhorar...

Confesso que sair mesmo que cansada lá do lar, é sinonimo muitas vezes de sair com um sorriso e com vontade de no amanha lá passar mais 3horas.

São pequenos em tamanho, em idade, mas enormes em alma, em sorrisos e em tornar o dia melhor. E, acima de tudo, são o que nós adultos não somos muitas vezes, são eles proprios, quer quando embirram com algo, quer quando nos agradecem na mais da mais singelas formas: um abraço com um verdadeiro sorriso.